Conforme matéria de Assis Moreira, no Valor Econômico, o Brasil deverá figurar de novo em uma lista de violação de convenções trabalhistas no mundo, que será conhecida hoje, na esteira de denúncias apresentadas contra o governo brasileiro na Organização internacional do Trabalho (OIT).
No momento, trata-se de uma lista global preliminar de 39 casos. Em seguida, haverá negociações para uma lista final de 20 casos mais graves a serem examinados em junho pela Comissão de Aplicação de Normas, que é o órgão tripartite (empregados, empregadores e governos) da Conferência Internacional do Trabalho.
“O Brasil está na lista longa ainda por causa da convenção 98, de direitos de negociação coletiva, que denunciamos desde 2017”, afirmou Antonio Lisboa, secretário de relações internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
“A negociação coletiva podia prevalecer sobre a lei desde que para melhorar as condições dos trabalhadores, mas com a reforma durante o governo Michel Temer pode-se negociar abaixo da lei”, disse Lisboa. “Essa situação piorou com medidas tomadas na pandemia, com rompimento de contratos sem chamar os sindicatos.”
Por sua vez, a representação de empregadores brasileiros argumentou nos últimos anos na OIT que a prevalência do negociado sobre a legislação era adotada em um terço dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sem que se discutisse se isso prejudicava negociações coletivas. Em 2019, a delegação dos empregadores mostrou um estudo da Fipe (Fundação Estudos de Pesquisa Econômica), segundo o qual valores de reajustes salariais em 2017 e 2018 foram maiores na negociação descentralizada e direta entre empresa e o sindicato.
Segundo Nilton Neco, secretário de Relações Internacionais da Força Sindical, “O último grande embate sobre esses assuntos foi durante a Conferência Internacional do Trabalho, no âmbito do Centenário da OIT em 2019, onde nosso presidente da Força Sindical, Miguel Torres, como delegado oficial dos trabalhadores /as do Brasil naquela Conferência, trabalhou intensamente na articulação com todas as Centrais Sindicais do mundo, e o Brasil ficou naquele ano na lista suja da OIT, por causa da reforma trabalhista e os sistemáticos ataques a organização sindical e a negociação coletiva.
As centrais sindicais denunciaram repetidas vezes também os acordos individual como violação da convenção 98. Já os empregadores têm respondido que isso envolve apenas 2,9% de todos os empregos formais e, destes, 77% são profissionais com alta qualificação com interesses mais individualizados.
A controvérsia sobre a convenção 98 tem causado persistentes fricções entre Brasília e a OIT. Durante a administração Temer, a percepção em Brasília era de que a agência da ONU desde o impeachment de Dilma Rousseff tornara-se um palco de campanha política internacional contra o governo.
Com Bolsonaro no governo, as denúncias aumentaram. No ano passado, sindicatos questionaram a aplicação pelo governo de pelo menos nove convenções internacionais: além da 98, sobre sindicalização e negociação coletiva, também a 11, de direito de sindicalização na agricultura; a 135, de proteção de representantes sindicais; a 141, de organizações de trabalhadores rurais; a 144, de consultas tripartites sobre normas internacionais do trabalho; a 151, de relações de trabalho no serviço público; a 154, de fomento à negociação coletiva; a 155, sobre igualdade de oportunidades e tratamento para homens e mulheres trabalhadores; e a 189, sobre trabalhadores domésticos.
Lisboa aponta “violação gravíssima” também da convenção 169, sobre povos originários (nações indígenas, quilombolas).Se a Comissão de Normas confirmar que o Brasil violou convenções da OIT, pode determinar medidas de seguimento: que peritos voltem a examinar o assunto; que OIT ofereça assistência técnica; que o governo apresente mais informações ou emende legislação ou prática.
Não há sanções, como retaliações. Tem mais o risco de estragos de imagem. E pode dar margem para “barreira reputacional”, com consumidores de certos países podendo pressionar suas empresas a não importar de países que não respeitam padrões trabalhistas internacionais.
Fonte: Jornal Valor Econômico